Mais vale um código de ética na mão do que discursos longe da prática
terça-feira, 6 de maio de 2008
por Leandro Fernandes
Discursos bonitos não são suficientes. A prática é que são elas . Entretanto, estabelecer um código de ética é o primeiro passo para que uma organização se conduza por essa linha. Logo, o ditado mais vale um código de ética na mão que dois voando faz algum sentido. É o que pensa o diretor-presidente do instituto Brasileiro da Ética nos Negócios, Douglas Flinto. “Trata-se de um instrumento de extrema relevância para a melhoria da gestão da empresa e o aumento da reputação corporativa, dentro e fora dos seus muros”, afirma.
Entretanto, no Brasil, possuir e divulgar um código de ética é algo praticado por poucas empresas. Pelo menos foi o que mostrou a Pesquisa Código de Ética Corporativo 2008, realizada pelo instituto, que envolveu as empresas listadas nas listas das maiores empresas em atuação no Brasil. O estudo deu conta de que apenas 29,6% dessas empresas possuem ou têm disponíveis seu código em ética no website. Para Flinto, ainda que longe do ideal, esse número é positivo ser considerarmos o fato de que a ética vem se denegrindo nos últimos anos.
Em entrevista ao CanalRh, Flinto falou sobre essas e outras questões ligadas à ética corporativa, como a ausência de alinhamento entre discurso e prática e a prática do marketing da ética.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
CanalRh: O que o senhor tem a dizer sobre a ética nos negócios no Brasil?
Douglas Flinto: Infelizmente as coisas estão piores do que no passado. No passado, quando se falava em fio do bigode, se você fazia um acordo com uma empresa ou com uma pessoa você tinha isso auditado pelo fio do bigode, ou seja, pela sua palavra. Hoje em dia as pessoas assinam contratos e conseguem não cumprir esses contratos. Daí, quando a parte prejudicada vai à Justiça, essa demora 20 anos para resolver a questão. Hoje se ouve falar muito em sustentabilidade, em responsabilidade social e ambiental, que são coisas extremamente importantes, evidentemente, mas nós não ouvimos falar muito de ética. E aí, quem fala é visto como o chato, como o cara do outro planeta. No entanto, a situação do planeta vai chegar a um ponto que só poderá ser revertido por meio da ética.
CanalRh: Qual o papel das empresas na formação dos valores éticos de uma sociedade?
Flinto: Desde os primórdios as empresas têm um papel decisivo na formação das sociedades. A gente passa grande parte da vida dentro das empresas. Logo, a empresa tem um papel primordial na complementação da formação de todos que estão ali dentro. Grande parte dos problemas que temos hoje foi criado pelas empresas, e serão elas que irão reverter todo esse quadro de degradação social e ambiental. Elas têm a influência e o dinheiro necessário para isso.
CanalRh: Como o Brasil está em relação a outros países quando o assunto é Ética nos negócios?
Flinto: Apesar de crer que ética é uma coisa só em qualquer lugar do mundo, acho que a diferença está na cultura. Nós estamos evoluindo em relação a nós mesmos, mas estamos atrasados em relação à Europa e EUA, principalmente em relação às punições para quem apresenta falta de ética de conduta, um fator fundamental. No Brasil, a mídia está muito preocupada em noticiar a corrupção tanto na esfera pública quanto privada. Nunca se viu tanta notícia sobre corrupção como temos hoje. O problema é que vivemos num país de muita impunidade. Políticos roubam o País, empresários roubam os acionistas, empresas têm mania de fazer maquiagem de produtos, lesam o consumidor e não existe punição exemplar, que é a contrapartida da ética. Nos EUA, um executivo que faz algo errado é punido por isso, o mesmo serve para os políticos. Aqui é raro ver alguém envolvido em escândalos receber punição.
CanalRh: Em relação à pesquisa, cerca de 70% das empresas não possuem ou não divulgam seu código de ética. Como o senhor interpreta esse número?
Flinto: Muitas dessas empresas não têm, mas muitas têm e não divulgam publicamente. São poucas as que colocam seu código na sua internet. Ainda há um destaque maior para responsabilidade social e sustentabilidade, mas creio que isso vá mudar. Quase 30% das empresas pesquisadas colocavam seus códigos de ética no website. Se somarmos esse índice ao das empresas multinacionais que atuam no Brasil e que divulgam seu código no site mundial da companhia temos um número mais expressivo (50%), ainda que esteja longe do ideal. Entretanto, temos de destacar que aquelas que colocam seus códigos à disposição de todos, dizem claramente que são empresas sérias, corretas e que vão enveredar seus esforços com o intuito de seguir aquele código.
CanalRh: Qual é a real importância de um código de ética?
Flinto: É evidente que não é o código que vai fazer uma empresa ser mais ou menos ética. Mas ele é o princípio de tudo. O código de ética é a constituição da empresa, é a lei maior dela. É lá que se colocam os valores, a cultura, os princípios da empresa e como ela vai agir com todos os seus públicos. É no código de ética que qualquer stakeholder sabe como aquela organização atua. Esse instrumento é de grande valia para ser o norteador da empresa. De acordo com a nossa pesquisa, poucas empresas divulgam seu código de ética no seu principal meio de divulgação, que é a Internet. Acredito que a partir do resultado da pesquisa, muitas empresas vão passar a se preocupar em elaborar esse que é o principal instrumento de gestão de uma organização. Esse é o primeiro passo para a empresa dizer ao público que está preocupada com a ética nos negócios.
CanalRh: A pesquisa cita a falta de alinhamento entre discurso e prática. Sem essa coerência o código fica sem valia?
Flinto: O grande problema do mundo empresarial está no gigantesco abismo existente entre o discurso corporativo e a prática empresarial. Muitas empresas têm um discurso muito bonito. Um discurso socialmente responsável, ambientalmente correto. Um discurso que persegue a sustentabilidade, mas na prática faz exatamente o contrário. Muitas empresas ainda usam o que eu chamo de marketing da ética.
CanalRh: O que é o marketing da ética?
Flinto: É quando a empresa usa essa grande ferramenta, que é o marketing, e, a um custo muito barato, constrói uma imagem que ela não tem. São os famosos projetos de responsabilidade social e ambiental, que, no final das contas acabma ajudando alguém, mas não é suficiente. São empresas que têm discurso, que investem no terceiro setor, que têm o seu instituto, sua fundação. Mas, por outro lado, pagam propina, subornam, atrasam salários. Ela não é ética; porque ética abrange todos os sentidos. Uma coisa não compensa a outra. A empresa tem que ter atuação correta, responsável e tem que exigir que os seus funcionários também tenham. Vai chegar um dia em que o consumidor é que vai determinar que empresa ficará aberta ou não. Essa visão já existe e tende a ficar mais forte a cada dia. Os consumidores se preocuparão mais se as organizações conduzem seus negócios com ética de conduta. Sem ética nos negócios não existe responsabilidade social ou ambiental e tampouco sustentabilidade. A ética nos negócios será o pilar de sustentação das corporações no Brasil e no mundo.
CanalRh: Essa ausência de comportamento ético e de alinhamento com o discurso é resultado de concessões feitas no topo das organizações? Qual o efeito disso para baixo?
Flinto: O exemplo é tudo. Há alguns dias eu vinha de Campinas para São Paulo e estava na velocidade limite, quando passou por mim um carro oficial, de placa de bronze e que levava um desembargador, a uma velocidade absurda. Quer dizer, o homem que tem o dever de fazer cumprir a lei estava dando um péssimo exemplo. O principal executivo, a diretoria e a alta gerência têm de ser o exemplo para os demais funcionários. São esses funcionários que serão líderes no futuro. Não adianta ter um código de ética e o conselho chegar para o líder e dizer que se precisar extrapolar algum limite para vender que ele o faça. Hoje, se ouve falar muito de assédio moral dentro das organizações e elas acham que isso vale desde que haja resultado, mas os fins nunca justificam os meios. É preciso focar na forma como se atinge os resultados e buscar o resultado ético.
CanalRh: Mas como mudar um comportamento que vem de cima? Como se muda uma cultura que vem do topo?
Flinto:Existem dois caminhos. Ou o líder diz que não vai fazer, e muito provavelmente ele vai perder o emprego. Ou ele mantém o emprego dele tomando a decisão errada. Um líder ético não compactua com essas coisas, não faz concessões. Se ele se depara com a possibilidade de fazer algo que contraria o código de ética ele toma a decisão correta e se perder o emprego por isso irá procurar uma empresa séria. Para ele, a consciência tranqüila vale mais que a posição que ocupa. Os profissionais de uma maneira geral já têm essa visão, de procurar empresas sérias e essas empresas também querem esses profissionais. Eu sempre atuei em empresas de petróleo e em uma dessas, a francesa Agip, eu tive de denunciar outro diretor para o conselho em razão de algo que afetava o código de ética da empresa. Após duas semanas fui demitido por quebra de confiança. Nesse caso, nota-se que o código servia apenas para estética e não para a ética. Acredito que haja muitas pessoas nessa mesma situação. Muitas irão perder o emprego, mas no final a ética sempre vale mais a pena.